quinta-feira, 19 de abril de 2012

Um dia para a partida, um dia para a chegada















Um dia para a partida, um dia para a chegada 
                                                                Andrea Cristina Lopes


Era linda. Indiscutivelmente. Frankfurt era linda. Embora, na noite anterior, o vendaval tenha fechado o aeroporto e todos os voos sofrido atraso de duas horas e meia.

               Já era quase uma hora da manhã e a fila estava demasiado grande. Quase nenhum barulho era ouvido. Todos se falavam, aos pares, aos grupos, sempre em tom baixo.

               A companhia aérea demorou mais de uma hora até conseguir enviar todos os passageiros que haviam perdido suas conexões. Os alojamentos eram hotéis maravilhosos. Os táxis saiam em comboios. Impressão ou não, mas parecia que todos os indianos, simpáticos e sorridentes, haviam invadido a cidade em seus táxis aceleradíssimos pela pista quádrupla.

               O tempo passou. O dia chegou tão rapidamente. A última refeição. Alho, cebola, aroma de comida fresca se espalhando pelo ar. Não prevera que muito em breve se dissipariam todos os momentos. Era tempo.

               O óleo quente brilhava no taxo de aba alta. Era ágil o manusear das duas colheres que davam a forma aos bilharacos. Açúcar, canela, toque final. O perfume recendia por todo o andar.

               O azul do céu marcava um começo de primavera ainda com cara de verão. Muitas pessoas insistiam em fazer um percurso pela praia. Embora o sol se mantivesse explendoroso e a temperatura bastante elevada, a água do mar estava muito fria. Impossível permanecer muito tempo. Além de que ondas bravias beijavam a areia finíssima e muito alva.

               Sem sombra de dúvidas aquele seria o aniversário mais inusitado. Fazer anos longe de casa tinha lá suas surpresas, mas também tinha uma saudade nostálgica de um mundo em comum.

               Depois de perder a conexão Porto/Frankfurt, não havia mesmo outra saída a não ser passar a noite na Alemanhã. Algumas horas de sono e depois a necessidade de retornar ao aeroporto para remarcar os bilhetes para o primeiro voo. Provavelmente quase vinte e quatro horas depois.

               No saguão descomunal, vários grupos de pessoas, de muitos lugares, cada uma delas com suas próprias lembranças e as cabeças sobrecarregadas de pensamentos, coincidentemente uniram-se ao grupo de brasileiras à espera de seus novos voos. Uma delas, a Dirce, vinha direto da Itália para um casamento no Brasil, chegaria quase que na hora da cerimônia. Havia também um casal muito jovem regressando do Japão. Traziam uma filhinha que os pais dele ainda não conheciam. Com eles o pai da moça a esposa. Uma família inteira voltando ao lar.

               Tempo gasto ou, tempo não gasto em comum. E ao longo de várias horas, já haviam se tornado amigos de infância. Falavam sobre muitas coisas. Pensava, abstraída dos acontecimentos ao redor, em tudo que deixara. Pensava nos olhos que indagavam se iria mesmo embora. Para trás, o passado. À frente, familiares que a esperavam para uma surpresa de aniversário. Tinha receio das escolhas, temia o novo.

               Um oceano imenso entre as estrelas orientavam o caminho no céu. Aos poucos, se ia deixando para trás a alegria de um sonho construído. Não cria estar se distanciando tanto de todas as sementes plantadas. Momentos de partilhas, de riso fácil. Era o despertar de um tempo novo.

               A praça podia ser vista ao longo do dia pela janela, aliás por todas as janelas por onde se olhasse, se tinha a mesma cena: a praça, a igreja logo adiante e bem mais ao final da grande avenida o grande lago de água salgada de onde, por muito tempo, se retirara o sal. Parecia um lodo azul. Um lodo inacreditavelmente azul por onde algumas pessoas ainda andavam. Atolavam suas pernas até uma altura que ia até mais ou menos a metade das canelas. Turistas? Talvez...

               Sol alto, os sinos repicavam gemidas horas. Onze, doze e mais da metade do dia já havia se passado. Única forma de compensá-lo seria aproveitando ao máximo as horas ao longo da noite. Toques suaves. E de sonhos. Uma paz intensa era refletida nos olhares que se fizeram mágicos em tão breves momentos.

               Sonolenta, fechou os olhos. Recostou-se sobre a mala de mão. As pálpebras se fecharam. Adormecia, enfim.

               Sentiu-lhe a presença forte. Estaria novamente ao lado dele, pensou. Por alguns momentos foi possível levar ao passado, sua mente tão cansada, aturdida pela mudança brusca. Tudo foi como um dia de verão que arrefeceu rapidamente roubando de qualquer mão, toda e qualquer ação que se quisesse.

               As pessoas à sua volta eram ou simplesmente estavam alegres. Em pouco tempo já haviam se tornado velhos amigos de infância. Não se sabe de onde os anjos nos são soprados e nem até a que ponto podem interferir em nossas vidas. O olhar das inúmeras lojas de conveniências. Duty free. Eram um pouco mais caros que os próprios olhos da cara. Bicicletas trafegando pelos corredores do aeroporto, a esteira era quilométrica, os carros operados pelos funcionários. Algumas fotos, mas, as baterias já estavam quase zeradas.

               Afastou-se por alguns minutos. Ao lado, pessoas falavam nas mais diversas línguas. Um grupo enorme de japoneses, rumavam para o airbus com destino a Tóquio. Uma imensidão de sons que não se configuravam em significado algum para os ouvidos.

               Era enfim, meu dia de novos anos. Os novos amigos surpreenderam com um “muffin” que fora comprado ali mesmo. A vela de aniversário nada mais era de que um palito de fósforo aceso.

               Durante os parabéns, senti meu rosto enrubescer. Corei. Todos os presentes observaram o coro. Alguns, os que estavam mais de longe, bem próximos ao Portão quinze se arriscaram a algumas palmas ou, laçaram um pequeno sorriso. Outros, apenas acharam estranho aquele grupo que depois de mais de 24 horas entre voos, esperas e conexões, ainda encontrava ânimo para essa surpresa. Fui feliz.

               Meu coração estava totalmente em paz. Seguia meu rumo, embora sem sabê-lo qual seria. Sem saber o que o futuro me traria após sobrevoar o pacífico novamente. Alguma surpresa? Quem poderia saber ao certo? Aprendi lições de como amar acima de qualquer coisa. Com todo meu ser, com toda minha capacidade de ser. E que me fosse vindo tudo que o futuro se dignasse em me consentir. Estaria preparada.

               Desfazer as malas. Respirar. Recolocar cada objeto em seu lugar de direito e esperar que “se acertem as abóboras ao longo do balanço da carruagem”. Quando se tem a vida por uma dádiva, tudo que vier a mais, passa a ser um certo lucro. E desde que os dias se alonguem é possível fazer a vida mais bela.

               Que assim sempre seja, amém!


                                              

                                                          ***imagens google***