Um dia para a partida, um dia para a chegada
Andrea Cristina Lopes
Era linda. Indiscutivelmente. Frankfurt era linda. Embora, na noite anterior, o vendaval tenha fechado o aeroporto e todos os voos sofrido atraso de duas horas e meia.
Já
era quase uma hora da manhã e a fila estava demasiado grande. Quase
nenhum barulho era ouvido. Todos se falavam, aos pares, aos grupos,
sempre em tom baixo.
A
companhia aérea demorou mais de uma hora até conseguir enviar todos os
passageiros que haviam perdido suas conexões. Os alojamentos eram
hotéis maravilhosos. Os táxis saiam em comboios. Impressão ou não, mas
parecia que todos os indianos, simpáticos e sorridentes, haviam
invadido a cidade em seus táxis aceleradíssimos pela pista quádrupla.
O
tempo passou. O dia chegou tão rapidamente. A última refeição. Alho,
cebola, aroma de comida fresca se espalhando pelo ar. Não prevera que
muito em breve se dissipariam todos os momentos. Era tempo.
O
óleo quente brilhava no taxo de aba alta. Era ágil o manusear das duas
colheres que davam a forma aos bilharacos. Açúcar, canela, toque final.
O perfume recendia por todo o andar.
O
azul do céu marcava um começo de primavera ainda com cara de verão.
Muitas pessoas insistiam em fazer um percurso pela praia. Embora o sol
se mantivesse explendoroso e a temperatura bastante elevada, a água do
mar estava muito fria. Impossível permanecer muito tempo. Além de que
ondas bravias beijavam a areia finíssima e muito alva.
Sem
sombra de dúvidas aquele seria o aniversário mais inusitado. Fazer anos
longe de casa tinha lá suas surpresas, mas também tinha uma saudade
nostálgica de um mundo em comum.
Depois
de perder a conexão Porto/Frankfurt, não havia mesmo outra saída a não
ser passar a noite na Alemanhã. Algumas horas de sono e depois a
necessidade de retornar ao aeroporto para remarcar os bilhetes para o
primeiro voo. Provavelmente quase vinte e quatro horas depois.
No
saguão descomunal, vários grupos de pessoas, de muitos lugares, cada
uma delas com suas próprias lembranças e as cabeças sobrecarregadas de
pensamentos, coincidentemente uniram-se ao grupo de brasileiras à
espera de seus novos voos. Uma delas, a Dirce, vinha direto da Itália
para um casamento no Brasil, chegaria quase que na hora da cerimônia.
Havia também um casal muito jovem regressando do Japão. Traziam uma
filhinha que os pais dele ainda não conheciam. Com eles o pai da moça a
esposa. Uma família inteira voltando ao lar.
Tempo
gasto ou, tempo não gasto em comum. E ao longo de várias horas, já
haviam se tornado amigos de infância. Falavam sobre muitas coisas.
Pensava, abstraída dos acontecimentos ao redor, em tudo que deixara.
Pensava nos olhos que indagavam se iria mesmo embora. Para trás, o
passado. À frente, familiares que a esperavam para uma surpresa de
aniversário. Tinha receio das escolhas, temia o novo.
Um
oceano imenso entre as estrelas orientavam o caminho no céu. Aos
poucos, se ia deixando para trás a alegria de um sonho construído. Não
cria estar se distanciando tanto de todas as sementes plantadas.
Momentos de partilhas, de riso fácil. Era o despertar de um tempo novo.
A
praça podia ser vista ao longo do dia pela janela, aliás por todas as
janelas por onde se olhasse, se tinha a mesma cena: a praça, a igreja
logo adiante e bem mais ao final da grande avenida o grande lago de
água salgada de onde, por muito tempo, se retirara o sal. Parecia um
lodo azul. Um lodo inacreditavelmente azul por onde algumas pessoas
ainda andavam. Atolavam suas pernas até uma altura que ia até mais ou
menos a metade das canelas. Turistas? Talvez...
Sol
alto, os sinos repicavam gemidas horas. Onze, doze e mais da metade do
dia já havia se passado. Única forma de compensá-lo seria aproveitando
ao máximo as horas ao longo da noite. Toques suaves. E de sonhos. Uma
paz intensa era refletida nos olhares que se fizeram mágicos em tão
breves momentos.
Sonolenta, fechou os olhos. Recostou-se sobre a mala de mão. As pálpebras se fecharam. Adormecia, enfim.
Sentiu-lhe
a presença forte. Estaria novamente ao lado dele, pensou. Por alguns
momentos foi possível levar ao passado, sua mente tão cansada, aturdida
pela mudança brusca. Tudo foi como um dia de verão que arrefeceu
rapidamente roubando de qualquer mão, toda e qualquer ação que se
quisesse.
As
pessoas à sua volta eram ou simplesmente estavam alegres. Em pouco
tempo já haviam se tornado velhos amigos de infância. Não se sabe de
onde os anjos nos são soprados e nem até a que ponto podem interferir
em nossas vidas. O olhar das inúmeras lojas de conveniências. Duty
free. Eram um pouco mais caros que os próprios olhos da cara.
Bicicletas trafegando pelos corredores do aeroporto, a esteira era
quilométrica, os carros operados pelos funcionários. Algumas fotos,
mas, as baterias já estavam quase zeradas.
Afastou-se
por alguns minutos. Ao lado, pessoas falavam nas mais diversas línguas.
Um grupo enorme de japoneses, rumavam para o airbus com destino a
Tóquio. Uma imensidão de sons que não se configuravam em significado
algum para os ouvidos.
Era
enfim, meu dia de novos anos. Os novos amigos surpreenderam com um
“muffin” que fora comprado ali mesmo. A vela de aniversário nada mais
era de que um palito de fósforo aceso.
Durante
os parabéns, senti meu rosto enrubescer. Corei. Todos os presentes
observaram o coro. Alguns, os que estavam mais de longe, bem próximos
ao Portão quinze se arriscaram a algumas palmas ou, laçaram um pequeno
sorriso. Outros, apenas acharam estranho aquele grupo que depois de
mais de 24 horas entre voos, esperas e conexões, ainda encontrava ânimo
para essa surpresa. Fui feliz.
Meu
coração estava totalmente em paz. Seguia meu rumo, embora sem sabê-lo
qual seria. Sem saber o que o futuro me traria após sobrevoar o
pacífico novamente. Alguma surpresa? Quem poderia saber ao certo?
Aprendi lições de como amar acima de qualquer coisa. Com todo meu ser,
com toda minha capacidade de ser. E que me fosse vindo tudo que o
futuro se dignasse em me consentir. Estaria preparada.
Desfazer
as malas. Respirar. Recolocar cada objeto em seu lugar de direito e
esperar que “se acertem as abóboras ao longo do balanço da carruagem”.
Quando se tem a vida por uma dádiva, tudo que vier a mais, passa a ser
um certo lucro. E desde que os dias se alonguem é possível fazer a vida
mais bela.
Que assim sempre seja, amém!
***imagens google***